quinta-feira, 28 de novembro de 2013

um paralelo Ricoeur e Bata

A narratividade será mais bem reconhecida se estiver ligada à fase representativa do passado do discurso histórico. Entende-se, acordando com Paul Ricouer, esta representatividade não como uma cópia, uma mimēsis passiva, mas como componente simbólico na estruturação do vínculo social e das identidades que este põe em jogo. Neste sentido a noção de singularidade atribuída tanto a indivíduos como a acontecimentos; a noção de repetividade; de seriação; coerção e de recepção despontam em apropriação e negociação na medida em que a memória é re(a)presentada, em duplo sentido, ela - a memória - é trazida novamente ao presente por meio da narrativa. 
As representações aproximam-se, assim, à noções aparentadas à de poder - poder fazer, poder dizer, poder narrar, poder imputar-se a origem das próprias ações, porque há o diálogo entre a história das representações e a hermenêutica do agir, ora o agir se dá no macro, mas é no micro que ele se complexifica. A macro-história está tão atenta ao peso das restrições estruturais exercidas sobre a longa duração, quanto o está a micro-história à iniciativa e à capacidade de negociação dos agentes em situações de incertezas.
É sempre em termos de durações múltiplas, e, eventualmente, em reação contra rigidez de arquiteturas de durações bem empilhadas demais, que o historiador modula o vivido temporal. Embora a memória experimente a profundidade variável do tempo e ordene suas lembranças umas em relação às outras, esboçando dessa maneira algo como hierarquia entre as lembranças, ainda assim ela não forma espontaneamente a ideia de durações múltiplas.  (RICOEUR, 2007, p. 194)

Entre a macro-história e a micro-história um jogo de escalas se coloca. Estas variáveis escalares podem ser cartográficas, arquitetônicas, mas sobre tudo ópticas. São variáveis – medianas na manipulação da pluralidade de durações, ou durações múltiplas - que o historiador considera em 3 fatores, a saber: 
  1. Natureza específica da mudança considerada; 
  2. Escala na qual esta mudança está apreendida e; 
  3. Ritmo apropriado à escala.

 Entre a macro e micro-história situamos o caso Bata e percebemos as variáveis escalares acima citada. No Estatuto de sua empresa encontramos o seguinte capítulo:

CAPÍTULO I – Nome – finalidades – localização e duração
Art 2º - A sociedade terá sua sede na cidade de Batatuba, no Estado de São Paulo, Brasil, podendo estabelecer ramificações em outras cidades do Brasil e em outros países do mundo, sob observações das respectivas leis; (ARCHANJO, 195?, p. 91)

Então, numa fala de Jan Antonín Bata:
- “Para um checo a economia é um plano elevado no programa individual. Para Bata é, além disso, um ponto básico na existência humana.” (ARCHANJO, 195?, p. 64)

Tanto o Artigo do Estatuto das Empresas Bata, como a explanação do Sr. Bata, implicam escalas, perspectivas que podemos relacionar às variáveis acima. É algo que faremos :)




terça-feira, 3 de setembro de 2013

mais no éter que na terra.

Pessoas não são árvores.
Não são auto sustentáveis, são eternamente dependentes de outros. Ledo engano pensar que a independência econômica te encaminha a sua independência pessoal. E seus pensamentos, estes então, como são e estão relacionados a outros num sistema complexo e intrincados de modelos, padrões...!
Mas voltando à metáfora 'árvore', metáfora fraca e rasteira por mais profunda que sejam as suas raízes. As pessoas não são árvores porque suas raízes são outras. Elas estão mais arraigadas ao éter que à terra. A partir da memória e menos nas lembranças. As raízes dos homens nascem "descoladas" e nômades, por mais sedentário que este seja... (talvez valha aqui a conversa com aquele senhor que o Beleza me indicou, posto que nunca saiu de Piracaia, mas como digo que tais raízes estão mais na cabeça que no pé... ele pode também pode ser descolado...)
Por que suas raízes são outras?
a resposta é simples: O homem carece do encontro com o outro e carece de todos os tipos de relações que este encontro pode gerar e gera. Claro que há graus de relacionamentos e envolvimentos. Havendo a necessidade do encontro há a necessidade da busca. Esta busca não é qualquer, não é como ir ao mercado e comprar um produto. Trata-se aqui de uma busca carregada de significados e em si mesma, em sua duração a busca já é o encontro. Quero dizer que a vida humana não é outra coisa senão a eterna busca e o enredar-se em suas narrativas e nas narrativas alheias.
O ir e vir do encontrar é que caracteriza a extensão humana (desde suas economias aos seus padrões de conhecimentos, culturais, biológicos e por aí vai...)
Toda a indústria, todo o marketing e publicidade saca isso. Os lugares em si mesmados parecem que levam um tempo a mais a compreender. Talvez, porque estes lugares e as memórias que os alimentam com suas lembranças não desejem tanto assim esta indústria e esta publicidade. Os modos de aí viver são outros, estão mais nas soleiras e caminhando nas estradinhas. Suas redes sociais são outras.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

sobre a leitura de hoje e entendendo "lugares de memória" em Paul Ricoeur

Esta é a segunda parte do cap. "da memória e da reminiscência" do livro que estou lendo "A memória, a história, o esquecimento.
Vou percorrendo a escrita de Paul Ricoeur como uma curiosa que segue alguém sem medo onde esses passos me levarão. Este é o terceiro livro deste autor que me escolhe - como poderia eu, escolhe-lo se não o conhecia, se sequer saber da sua existência...
O acontecimento desta leitura hoje trouxe risos, choro e, com os olhos limpos, clareando caminho que está sendo trilhado. Algumas leituras são lanternas no escurecer do conhecimento.
Realmente é de assustar e desencorajar pensar no termo memória - sendo ele tão polissêmico. Relacionamos-o, então ao tempo que tudo consome e desfaz (Kronos)
3 modos mnemônicos (Casey)
Lembranças são privilégios de certos acontecimentos que não se repetem, são singulares e os lembretes são indicadores que visam proteger contra o esquecimento (desde a foto ao post it)
Os registros conferem materialidade aos rastros conservados e são reanimados e enriquecidos por outros registros. No entanto há o prosear (ação da lembrança) quando dizemos: Você se lembra... Quando nós... E aquele dia... Como era mesmo...
Reconhecemos as lembranças e, neste fenômeno, a "coisa" reconhecida é duplamente outra: como ausente (diferente da presença) e como anterior (diferente do presente). 
"É nisso que a lembrança é re-(a)presentação, no duplo sentido do re-: para trás e de novo. Esse pequeno milagre é, ao mesmo tempo, uma grande cilada para a análise fenomenológica, na medida em que essa re-(a)presentação corre o risco de se encerrar de novo a reflexão na muralha invisível da representação supostamente encerrada em nossa cabeça, in the 'Mind.'" (p.56)

A travessia mnemônica implica corpo, espaço e horizonte de mundo. A memória corporal contém o corpo habitual (hábitos) e corpo dos acontecimentos (incidentes precisos, relembranças, traumas, prazeres...).
"O momento da recordação é então o do reconhecimento. Esse momento, por sua vez, pode percorrer todos os graus da rememoração tácita à memória declarativa, mais uma vez pronta para a narração. 
A transição da memória corporal para a memória dos lugares é assegurada por atos importantes como orientar-se, deslocar-se, e, acima de tudo, habitar." (p.57)
As coisas lembradas aconteceram em lugares e estes funcionam como reminders, porquanto não são indiferentes às "coisas" que os preenchem. Oferecem-se como apoio contra o esquecimento. Enquanto os lugares são inscrições, as lembranças transmitidas pela voz voam. O vínculo entre lugares e lembranças ars memoriae permite estabelecer, segundo Paul Ricoeur um método dos loci (lugar).
Assim teremos o encontro entre a memória da história e geografia.
O ato de habitar constitui uma forte ligação humana entre a data e o lugar.
"Em resumo, os lugares de memória seriam os guardiões da memória pessoal e coletiva se não permanecessem 'em seu lugar', no duplo sentido do lugar e do sítio?" (p.60,61)

... ainda não sei... 
Estou em busca deste lugar de memória, das vozes que o revela e que provêm destes corpos (hábito/acontecimento) 

sábado, 24 de agosto de 2013

AMOR@ÇÃO

Bachelard diz:
"A palavra Amor traz tudo. É a senha entre a obra e o operário. Não é possível, sem doçura e amor estudar a psicologia das crianças. Exatamente, no mesmo sentido, não é possível sem doçura e amor, estudar o nascimento das substâncias químicas. Consumir-se por amor é mera imagem para quem sabe aquecer mercúrio em fogo brando. Lentidão, doçura, esperança, eis a força secreta da perfeição moral e da transmutação material." (Bachelard, 1996, p. 66)

No bojo de qualquer pesquisa temos que trazer esta palavra-chave, que também é palavra-conceito e palavra-ação. Sem nos deter na demora do objeto e no seu tempo de sua maturação, sem toda a observação aí implicada não o entenderemos, não teremos respostas. E, para isto necessitamos de paciência, primeira prerrogativa do Amor, haja visto que, "O amor seja paciente..." 

Amar um local e transmutá-lo em lugar ;)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

aparência quero sua essência.



Ontem à tarde era agradavelmente linda e azul.
Estive em Batatuba, mas estava deserta... e me questiono sobre a porteira... o que delimita uma porteira. Antes ela bastava, no meio rural parece ainda bastar... Quantas portas temos que abrir, janelas, windows, links, redes... se as imagens são capturadas também por satélites, deveríamos ter informações nos tetos?
Batatuba parece implacável ao tempo, apesar de algumas desfigurações de suas casas... tudo parece intacto desde a morte de seu "progenitor" Seu João, Dr. Jan...
aparência quero sua essência.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013


É próprio do homem o repertório cultural que traz consigo e compartilha com o outro. 
Por vezes, manifestações culturais retratam tradições de outrora esquecidas. Essas são identificadas e legitimadas por pessoas pertencentes a este grupo até alcançar o conhecimento daqueles que estão envolvidos com as questões culturais de maneira mais abrangente. Este é o caso da cultura imaterial estudada na cidade de Piracaia, interior paulista. A partir da metodologia de pesquisa-ação-colaborativa e de registros partilhados em mídias digitais, verifica-se o alcance local/global dessa cultura, a problemática das políticas públicas e das ações governamentais frente às demandas culturais locais em resposta ao lugar e ao global. A necessidade dos registros encontra respaldo nas políticas culturais nacionais e internacionais. Entender estas políticas e as práticas culturais requer um modo de conhecer global e orgânico aportado em diferentes áreas como: da geografia – ao georeferenciar as narrativas; da história – porquanto as narrativas de vida podem estar ou não acordadas à história oficial; da ciência da informação – apropriação da informação, formas e divulgação de registros; e da comunicação – que é o campo onde se situa a pesquisa. Portanto, responder a questões culturais é necessariamente trabalhar em sua complexidade de maneira transdisciplinar e colaborativa.

Por que pesquisa, por que ação e por que colaborativa?

São três procedimentos visando um único objetivo: "Entender como as memórias legitimam determinados espaços". 

Para entender é preciso se aproximar, se envolver até certo grau com as questões, buscar ações que proporcionem a solução ou ir neste sentido. E só a colaboratividade garante a permanência e a justificativa de tais ações, porque há trocas de saberes e portanto, (des)envolvimento destes saberes.

O nosso argumento, argumento da comunicação, da ciência da informação, dos meios audiovisuais e suas mídias é que o registro de tais memórias é fundamental a sua permanência, sua tradução, sua continuidade progressiva e sua veiculação e portanto caracteriza-se por um "serviço" fundamental a qualquer comunidade, grupo... Nosso caso é com cultura em seu sentido abrangente antropológico.
No mapeamento da cultura em Piracaia, percebe-se a forte caracterização da cultura imaterial totalmente voltada a questão religiosa propagada em todas as suas festas. Essa caracterização é percebida tanto no Centro como nos bairros mais afastados (bairros rurais). 
O Grupo "Catira de Piracaia" assim como outros grupos aparentemente desconexos entre si representa uma cultura móvel que leva no seu nome, o nome da cidade de onde vem e a qual representa. No entanto, por vários motivos que não cabem aqui ser relatados, este Grupo não se sente reconhecido pela Cidade... Assim também são outros pontos referentes à cultura que não são reconhecidos, não são cuidados, transferindo, quando muito, este cuidado a outrem, caso das fotografias do Tetê Brandão...
A Cidade possui patrimônio, toda cidade possui, o que as diferencia são as formas como estes patrimônios são tratados, referenciados e vividos por todos, desde a Administração Pública ao Cidadão, não diria comum, mas singular. Talvez seja ai o ponto, cada qual começar a se ver com tal: em sua singularidade, buscando por tanto a singularidade de seu lugar e, assim fazendo a diferença que o Mundo nos solicita.

Neste ponto da pesquisa nos detemos mais propriamente às narrativas e estamos adentrando um bairro que teve seu desenvolvimento totalmente alterado por conta de intrigas... Esta é nossa proposição, veremos se confirma ou não com as narrativas lá coletadas e a situação atual deste Bairro Batatuba.